Entre desejo e moral há um espaço. Terra dos ninguém onde habitam aqueles seres invisíveis que， só ali， vistos são. Só alifortune tiger 777 pg， onde não há a quebra do sigillum que sela a vergonha junto ao prazer e faz da desonra um querer.
Vez ou outra esses sujeitos são visitados por quem vive à superfície dos princípios —a terra dos alguém que， quando vão até os ninguém， procuram vida dupla， pois uma não basta. Uma， rígida， padronizada， presa a princípios inegociáveis e de distinta integridade， não basta. Há que se viver duplamente. Aventurar-se-ão， entre a introversão e o escárnio， os alguém até descobrirem a hipocrisia， desnudada e despercebida.
Na terra dos ninguém， as janelas sempre fechadas não permitem que penetrem os olhares desvirginantes da decência. Vão os que podem， ficam os impedidos de se endereçarem ao mundo que parece reluzir.
No oculto， festa e fogo. Os papéis não se invertem， queimam-se. Assim se forma outra sociedade: a sociedade do sigilo， terra de ninguém onde tudo —mas nem todos— pode.
Catarina Pignato/Folhapress
Afrouxa a gravata， desabotoa a camisa， deixa o nome sobre a cômoda e mergulha no oceânico azul das profundezas do seu ser —enfim desobrigado do "eu". Um batismo oculto capaz de desfazer， o tal alguém， até se macular com a leveza que há na morte do ideal.
Na ausência do nascente sol， o direito às cinzas. Tudo: família， trabalho， amigos， religião， absolutamente tudo que o observa pelas sempre abertas ventanas dos costumes —e o cobra， esfumaça-se. É festa e fogo. Alguém amanhece em outro lugar. Ele quer， ele pode como ninguém.
Casado e amante， ora visível ora invisível. Às vezes é o que chega， eventualmente é o que nunca sai. Quer como ninguém. Religioso e pecador， anda sempre com a palavra， deita-se quase nunca sem a mudez do gozo. Perdoa-se como ninguém. Honesto e vigarista， paga o que deve， mas não deve o quanto paga. Sonega como ninguém. Endireitado e desviado. Nunca fraqueja， por medo de gostar. Pede como ninguém. Em dupla， a vida se desfaz de sua ditada e datada carcaça moralizada.
Os tempos sopram as flores da pele desta terra dos ninguém. Trazem novas cicatrizes e， com elas， sempre alguém em busca do próprio prazer —marcado à festa e fogo. Em sigilo， outros mundos acontecem. Confundem-se， ou melhor， fundem-se， como ninguém， da janela da honradez para dentro.
A hipocrisia seduz e deseduca aquele que irá matar espírito e corpo dos ninguém – uma quase gente que existe para ser depósito de mágoa dos alguém. Em contradição compulsória， não mais se espanca aquilo que ama， pelo contrário: acaricia-o. Na calada do anoitecer da dignidade， alguém falso pode finalmente se sonhar verdadeiro e despencar do alto de sua nobreza sem receio do choque， pois desta vez， ao menos desta vez， acobertar-se-á com os finos lençóis do sigilo.
Na sociedade do sigilo， só se sobrevive à esfera das privações porque， paralelamente， vive-se a face oculta das permissões. É na terra dos ninguém que os alguém de proclamada moral podem confortar o "eu-lúcido" —nada lírico— do dia a dia. Com ou sem culpa， com ou sem crime， entoam o hino das liberdades irrestritas e fazem das vergonhas vidas duplas， regadas， agora sim， à festa e fogo. E quem queima quer se queimar?
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